sexta-feira, 14 de setembro de 2007

Ler ou não ler, eis a questão



60000 Km/ano é uma boa desculpa para deixar livros em tudo quanto é sítio. Ainda hoje, revisitei um quarto onde estendo os ossos vai-não-vai aquele molho de palha. Sem preguiça, a primeira coisa que fiz, mal tirei as xanatas dos pés, foi reconstruir a pilha de livros que havia deixado encostada à parede voltada a norte; a casa é rigorosamente quadrangular e feita por pedreiros que conheciam a orientação seguindo os 4 pontos cardeais. Surpresa das surpresas: dá-se o meu reencontro com GEB: “Gödel, Escher and Bach” e respectivo subtítulo: ‘an Eternal Golden Braid’, obra de Douglas R. Hofstadter.

Há coincidências malvadas que não se explicam, é que por estes dias reúne-se em Lisboa, um bom grupo de maduros e maduras (mesmo que alguns sejam muito jovens ainda…) que discutem coisas aparentadas com a fascinante viagem intelectual onde nos leva Hofstadter. Confesso-vos o meu irresistível encolher no sentido da pequenez, eu que já sou um minorca, cada vez que passo os olhos pelas páginas onde se retracta o teorema de Gödel.

Mas a inquietante e arrevesada questão colocada por Hofstadter e uns tantos outros é realmente «como é possível este ser vivo, esta criatura humana, compreender-se a si mesmo?».

Não, não é hoje que vou mudar de ramo e finalmente, estender a minha banca na Baixa do Chiado, vendendo brincos de arame e ervas secas cultivadas nos lameiros de Vila Pouca de Aguiar. Hoje é dia de deixar transparecer o meu anarquismo libertário e reafirmar a minha abertura a todos os campos do saber, seja música, biologia, pintura, lógica, matemática, psicologia, neurofisiologia, equações diferenciais, filosofia ou linguagens de programação. Gosto da cultura seja ela de Vilar de Perdizes, da citânia de Briteiros ou do Centro Comercial de Belém.

O livro de Hofstadter é daqueles livros que levamos para aqui e para ali, até porque gostando eu de dormir no chão duro não uso «mesa-de-cabeceira»; tem sido lido de frente para trás e de trás para diante, exactamente tal qual vou (des) organizando a minha cabeça. Gostava de o ler de baixo para cima e da direita para esquerda mas assumo as minhas limitações ‘da Vincianas’. Dos três marcos apontados por Hofstadter, Bach é o que menos me entusiasma. Confesso não ser grande ‘Bachista’. Enterneço-me mais com umas pianíssimas ou mesmo umas violiníssimas. Vá lá eu digo: gosto de música erudita que me toque fundo, nos músculos da vida, se for só a pancada seca do martelo na mola de aço, não gosto, por muita harmonia que me reserve à partida. Bach é músico de melodias que nunca deixam de subir... com fugas de múltiplas vozes e engenhosos jogos musicais. Eh! Pá… mas também gosto das «24 rosas numa jarra», essa mesma, a do Zé Malhoa… e sei a letra toda… e sou homem para cantá-la em qualquer lado.

Escher, que comecei por admirar nos paradoxos visuais, nos contrastes, nas representações do impossível, ficou para sempre um exemplo como modo de olhar a representação de tudo o que nos passa pela cabeça.

http://www.uv.es/~buso/escher/escher.html

Pode um sistema compreender-se a si mesmo? Investigar este mistério é uma aventura que percorre muito especialmente, a linguagem.

Surpreendentes paralelismos ocultos entre as gravuras de Escher e a música de Bach (pode não ser-se apaixonado, mas conhece-se…) remetem-nos para os paradoxos clássicos dos gregos antigos e a um teorema da lógica matemática moderna que fez estremecer o pensamento do século XX: o de Kurt Gödel.

É possível definir o que é a evidencia? É possível formular leis que indiquem como atribuir um sentido às situações? É provável que não, pois toda a regulação rígida teria, indubitavelmente, excepções, e não regras [...] Então, se depois de toda a evidência é algo tão intangível, porque estou tão prevenido contra novas formas de interpretação da mesma? [...] Todos os teoremas limitativos da meta matemática e da teoria da computação insinuam que, uma vez alcançado determinado ponto crítico na capacidade de representar a nossa própria estrutura, chega o momento do beijo da morte: fecha-se a possibilidade de que possamos representar-nos alguma vez a nós mesmos de forma integral. O Teorema da Incompletabilidade de Gödel; o Teorema da Indecibilidade, de Church; o problema da Detenção, de Turing; o Teorema da Verdade, de Tarski: todos eles possuem ressonâncias de certos contos antigos de fadas, advertindo-nos que "perseguir o auto conhecimento é iniciar uma viajem que... nunca estará terminada, não pode ser traçada num mapa, nunca se deterá, não pode ser descrita".

Presidential Lectures: Douglas R. Hofstadter: Excerpts

http://prelectur.stanford.edu/lecturers/hofstadter/excerpts.html

Eu gosto destas coisas de manhã, ao romper da aurora, enquanto ainda não se fala nem se repete cacofonicamente a metateoria da aritmética política de Sócrates, Mendes & Meneses. Para saber mais, recorro a livrinhos da FCGulbenkian, a preços da uva mijona, como por exemplo: de William Kneale & Martha Kneale, ‘O desenvolvimento da lógica’, onde a última parte – 30 páginas – é dedicada precisamente a coisas tão prosaicas como esta do teorema de Gödel.

Nota técnica: Imitando Vítor Inconstâncio, revi em baixa as minhas previsões quilométricas; optei por terminar o ano em curso com mais páginas e menos fita métrica.

Escrever sobre um Livro não significa querer tirar leitores e visitantes a «De Rerum Natura»; continuará a ser um excelente ponto de referência no espaço de comunicação que privilegiamos.


1 comentário:

Virgílio A. P. Machado disse...

Quando for grande vou ler esses livros, ouvir essas músicas e estudar esses teoremas. Sempre quis ser um homem culto. Alexandre, vc. consegue ser tão fascinante a escrever, como a falar. Desta vez arrasou. Espero que esteja com a veia mais vezes, para eu ir aprendendo alguma coisinha. Vou arranjar tempo para ler o que escreveu sobre o rjies e não quis que a malta ouvisse. É um bom palpite? Vale a pena?
Ainda bem que conheço pessoas como vc. Há gente com quem não se aprende nada, se não se tiver a «sorte» de desaprender.
Um abraço, carago! Parabéns. Gostei muito.