domingo, 14 de outubro de 2007

Depois dos Mestres



O blogue vai assumindo cada vez mais um desenho pessoal, não intimista, porque a não ser assim estaria a contrariar o próprio princípio da intimidade. Mas nada me impede de ajudar raros e futuros leitores a navegar na corrente do dia-a-dia de um construtor de puzzles que nunca se sentou a uma mesa para montar aquelas monstruosas pilhas de bocadinhos de cartão que depois resultam numa pintura de van Gogh (de que gosto).
O autor é comprador habitual de caixas de Legos (ao kilo) que lhe servem para demonstrações de modelos das coisas que pretensamente discute com os seus alunos. Portanto o seu sentido de construção vai do pensamento para a obra, mas reconhece sem esforço que tem dificuldade em trabalhar segundo o(s) método(s) da Filosofia. Ainda por cima, porque foi criado num ambiente esquemático, de formas geométricas que se relacionam por linhas. Juntemos agora uma espécie de complexo de que sofrem as ciências em geral face à Física, mas no meu caso particular face à Metafísica.
Porquê? Porque qualquer um de nós teve Mestres, uns presentes de corpo e alma, outros nem por isso. Gostei muito de um Mestre que sendo rigoroso no planeamento de ruas e casas me falava enternecido dos enxertos em escalheiros e que dissertava tranquilamente sobre o Direito romano na criação de novas cidades ou sobre a toponímia dos templos Babilónicos. É aqui que eu fico.

Regressemos ao tal complexo e não o deixemos agarrado ao travesseiro. Sou um homem da computação e conheço esta ciência de todos os lados. Do lado dos Legos, porque concebi em tempo próprio o meu computador cujas peças seleccionei e construi à mão, numa espécie de grito libertador de quem me tinha criado e do lado da razão porque estudei e dominei linguagens várias, com pontos de partida diversos e justificações muitas. Habituei-me a resolver problemas com a ajuda da máquina mas (e este mas é soberano) quase sempre com subordinação a uma utilização inteligente e criativa. A contemplação dos factos conduz muitos jovens a diferentes reacções, lembro-me de ter 16 anos e sonhar (preocupado) com o ser ou não ser verdade a existência de «cérebros electrónicos». Paralelamente ao tratamento da álgebra de Boole que dominava com facilidade – fui sempre um privilegiado no acesso a livros – questionava-me a possibilidade da máquina poder exercer o «pensamento». Nunca fui renitente a aceitar esta possibilidade, até porque lia muita ficção científica, em especial a dos anos trinta e quarenta cujas sementes nem todas germinaram. Um dos problemas interessantes que se coloca aos que gostam destas coisas é o de saber se a máquina apenas pode produzir aquilo que o seu projectista desenhou. O que o autor da máquina colocou no seu interior foi o «método para resolver problemas de uma determinada classe», o que é qualquer coisa de diferente de poder «resolver um dado problema que possui afinidade para com esta classe». Alternativamente, o criador da máquina pode atribuir-lhe capacidade para resolver problemas por vários tipos de métodos, incluindo um «master» habitante da máquina, que determina o método de solução que deverá ser usado. Então, perguntará o amador, e não é assim na Filosofia?
A filosofia, não sendo capaz de nos dizer ao certo qual é a resposta às dúvidas que ela própria provoca, sugere numerosas possibilidades que ampliam o nosso pensamento, libertando-o da opressão do pré-programado. A chatice é que reduz o sentimento de certeza sobre a resposta ao problema, o que para nós, homens das redes lógicas feitas por dispositivos electrónicos (físicos) é quase sempre um efeito indesejável.
Chamemos Russell ao quadro: “ A filosofia deve ser estudada, não por virtude de resposta precisa que faculte aos problemas que ela própria evoca – pois que resposta alguma precisa pode, por via de regra, ser conhecida como verdadeira, – mas sim por virtude desses próprios problemas; porque estes ampliam as concepções que temos acerca daquilo que é possível;…”
Muito caminho ainda para andar, porque são a classe (ou espécie) de problemas onde a filosofia se concentra que faz aceitar as afirmações de BR.

Como se elabora uma metafísica? Ela começa por uma intuição racional quase sempre conducente a uma forma de organização sistémica. Intuição de um problema que se coloca num tempo A e que se vai orientar por reflexões sucessivas até um tempo B.
Foi assim com Agostinho, Descartes, Kant,…
Será para continuar?

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