segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Cartas Abertas e Assembleias Várias

Um blogue também serve de carteiro...
Tenho o direito de inferir que, tal como foi visto na U.M., na U.A. e porventura nas restantes, o CORPORATIVISMO regressou da hibernação e está mais pujante que nunca!
Tal como Marx, ingenuamente postulava o fim do capitalismo num acto antropofágico, comido por si mesmo, assim eu vejo e revejo este Corporativismo tal Fenix renascida.
Não vou chamar ingénuo ao Bernardo Cunha, antes devo deixar expresso o meu respeito pelo grito de revolta, mas estamos (todos) a ver que a procissão dos reitores é tudo menos um projecto de virgens incorruptas.

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«Caros colegas, docentes, investigadores da U.A..Envio em anexo uma carta aberta sobre o tema: "Círculos eleitorais para a constituição da Assembleia Estatutária" que gostaria de partilhar com todos vós.»

Cumprimentos académicos
Bernardo Cunha,
docente e investigador da U.A.


Carta aberta à comunidade académica

Caros colegas, docentes e investigadores, colaboradores, funcionários e alunos da
Universidade de Aveiro

Decorrerá em reunião do Senado da próxima terça-feira, dia 23 de Outubro, a votação para
aprovação do regulamento eleitoral para a constituição da Assembleia Estatutária, tal como é
determinado no art. 172 do Regime Jurídico das Instituições do Ensino Superior (RJIES).
Esta Assembleia, tal como o nome indica, irá constituir-se como o órgão responsável pela
elaboração e aprovação dos futuros estatutos da Universidade de Aveiro, e
consequentemente, do modelo orgânico, pedagógico, científico e funcional da Universidade à
luz deste novo RJIES.
Esta tarefa, que agora se nos depara, se bem que enquadrada por um conjunto de linhas
directoras bem definidas pela lei, é simultaneamente uma oportunidade real, objectiva e
provavelmente única no nosso tempo de vida útil, para termos uma intervenção directa e uma
palavra a dizer no repensar e instanciar do futuro modelo de ensino e investigação
universitárias da nossa escola.
Não pude assim deixar de ficar perplexo, confundido e, porque não dizê-lo, angustiado, com a
informação de que teriam sido aprovados em reunião da Secção de Gestão e Planeamento do
Senado um conjunto de princípios norteadores do regulamento eleitoral que, no meu modesto
entender, consubstanciam um completo inverter da pirâmide que deveria presidir a este acto
de arranque para o processo de renovação que se avizinha.
Repensar a Universidade e o ensino superior em Portugal, diz-me o bom senso, deveria ser
um acto sublinhado por uma total independência relativamente aos actuais modelos orgânicos,
pedagógicos, científicos e de carreira. Estes não poderão ser esquecidos, naturalmente, mas
apenas enquanto tema de meditação, ponderação e discussão, sempre numa perspectiva de
distanciamento formal, e de forma a que deles seja possível estimar os aspectos mais
negativos, que convirá suprimir, e os mais positivos, que valerá a pena reforçar.
O pressuposto de que haverá que acautelar interesses à partida, à luz do que é a actual
organização universitária, e de que tal deverá ser conseguido não através de uma postura próactiva,
de partilha de ideias e alinhamento pessoal com os diferentes modelos em debate, mas
coarctando sim a liberdade de organização do grande corpo que é o dos docentes e
investigadores, deixa-me com um profundo amargo de boca e com a comoção moral que
resulta de me estar a ser imposto um carimbo de menoridade intelectual e política e um
modelo eleitoral que me define fronteiras que não reconheço nem quero ver reconhecidas na
futura Universidade.
Sublinhe-se até que é a própria lei, no nº 3 do seu artigo 81, que determina que os
representantes dos docentes e investigadores na Assembleia Estatutária sejam eleitos “pelo
conjunto de professores e investigadores da instituição de ensino superior”. A referência que
o mesmo artigo faz aos estatutos que regulamentarão esse processo, só é efectivo a partir do
momento em que esses mesmos estatutos estejam definidos e aprovados. Pelo que deveria
ser do todo, e não de um de grupo de sub-conjuntos do todo, que deveria partir o processo de
repensar o futura da escola.

O modelo agora proposto, cujos princípios foram aprovados na SGPS, baseia-se numa
organização em círculos, mais propriamente quatro, alinhados com as grandes áreas de
formação oferecidas pela U.A: engenharia, ciências, humanidades e politécnicos. Para cada
um dos círculos define-se o número de representantes com assento na Assembleia
Estatutária: 3, 4, 3 e 2 respectivamente, escolhidos a partir de listas fechadas com base num
princípio de proporcionalidade cujos critérios envolvem, consoante o caso, apenas o número
de docentes e investigadores que os integram, ou o número de docentes, investigadores e
alunos. Fica assim cada um de nós espartilhado no sub-corpo onde casuisticamente foi
classificado, e impedido dessa forma de exprimir o seu apoio a uma lista e um modelo que
possam eventualmente surgir no âmbito de outro círculo eleitoral.
Argumentar-se-á que o modelo de organização em círculos eleitorais é precisamente o mesmo
que é adoptado na eleição dos representantes para a Assembleia da República, composto por
22 círculos eleitorais para 8.9 milhões de eleitores. Este argumento não pode ser, contudo,
mais falacioso. Nas eleições para a A.R., as listas são instanciações em círculos eleitorais de
Partidos políticos. Os eleitores escolhem e votam em partidos e não em listas. Pelo menos do
ponto de vista teórico, o que está em causa são modelos, ideias, projectos e programas para o
país, e não uma visão segmentada por razões de natureza corporativa. Organizar as eleições
para a A.R. à luz do que se propõe agora regulamentar para a Assembleia Estatutária, seria o
mesmo que organizar aqueles círculos eleitorais em função da actividade profissional dos
eleitores: teríamos as listas dos marceneiros, dos pedreiros, dos vendedores, dos professores,
dos cantoneiros, dos operários da indústria pesada, dos jornalistas, dos políticos e de mais
120 actividades (para manter a proporção entre os universos eleitorais), que iriam eleger os
seus 1, 2 ou 3 representantes para uma Assembleia da República que, por motivos óbvios,
não iria nunca conseguir funcionar de forma efectiva. É este o cenário que nos é agora
apresentado, com a justificação da necessidade de acautelar os vários interesses dos
subsistemas orgânicos do actual modelo universitário.
Deveríamos sim, neste momento, estar preocupados com os aspectos de fundo que irão
nortear a instanciação dos futuros estatutos e que, em última análise, determinarão a
qualidade e eficiência da Universidade de amanhã. É dessa qualidade e eficiência, e não do
acautelar dos nossos interesses individuais de hoje, que resultará, com toda a certeza, a
qualidade com que cada um de nós se poderá integrar nessa futura Universidade. Em
contrapartida, perdermo-nos em discussões inúteis sobre estratégias para agrilhoar, logo à
partida, a liberdade que nos é oferecida neste momento único, à luz de preocupações, receios
e motivações de natureza pessoal e corporativa, é uma fatal machada na oportunidade que
nos é oferecida. E é também afinal o resultado de uma visão tão tristemente típica do pior lado
da natureza lusa.
Não deixa de ser profundamente irónico que tenha partido da Reitoria a proposta deste modelo
de regimento eleitoral. Em particular quando é aparente que a Sra Reitora, apesar de ter
legitimamente optado por não exprimir opiniões pessoais sobre a sua visão do futura desta
escola, fez questão de tornar pública como sua a bandeira da manutenção de um modelo
matricial para a U.A.. A organização em círculos que agora se propõe, alinhados com as
engenharias, ciências, humanidades e politécnicos, expõe uma infeliz correlação com o
modelo de Universidade portuguesa organizado em faculdades. Retira aos elementos de cada
um deste corpos a possibilidade de elegerem seus representantes membros de listas de
outros círculos, mesmo que estas sejam as que, na sua perspectiva, melhor representam a
sua visão para o futuro da Universidade.
Temo ainda que, da mesma forma que não nos coibimos de expressar a nossa opinião sobre a
abordagem que cada uma das outras escolas superiores nacionais tem neste momento em
curso face ao RJIES, também a visão que estamos a transmitir para o exterior ao propor este
modelo eleitoral acabe por ser, não uma referência de modernidade, maturidade e visão de
futuro, mas uma triste imagem de uma escola periférica mais apostada em mudar tudo para
que tudo fique na mesma.
Duas última palavra sobre os temas que, de acordo com as directivas aprovadas, deverão
constar do manifesto eleitoral das listas candidatas:
· Que destes manifestos deva constar a visão do modelo orgânico e funcional que a lista
defende para a futura Universidade é razoável e um princípio intrínseco ao objecto da
Assembleia que se irá constituir. É no entanto, diria eu, irrelevante que se afirme
regimentalmente a necessidade ou obrigatoriedade de que tal conste do manifesto eleitoral.
Qualquer lista teria, naturalmente, de expor em manifesto a sua visão sobre o assunto;
· Que se pretenda que essa mesma lista defina, à priori, a sua posição quanto à eventual
adopção de um modelo fundacional de Universidade, é já mais questionável. Se é verdade
que listas poderão surgir no seio das quais esta posição esteja previa e claramente
definida, outras contudo poderão justificadamente defender a necessidade de sentir o pulso
às sensibilidades da comunidade académica antes de tomar uma posição;
· Pretender-se entretanto que, antecipadamente, as listas definam publicamente, em sede do
seu manifesto, o peso, importância ou relevância que irão dar à audição dos actuais
órgãos e unidades orgânicas da U.A. no processo de elaboração dos estatutos (audição
essa que é determinada pelo nº 5 do art. 172 do RJIES), expõe um inacreditável sentido
manipulador e rotula os futuros representantes dos professores e investigadores da U.A. na
Assembleia Estatutária de meros agentes de interface, desprovidos de qualquer tipo de
bom senso e de capacidade de decisão própria. Pior ainda, trás à superfície o lado mais
negro de quem receia que a boa fé daqueles que os irão representar é, no mínimo, algo
questionável.
Dito isto, o meu fundado receio é que, como é provavelmente expectável, a proposta de
regulamento eleitoral organizada em círculos, venha mesma a ser aprovada na próxima
sessão do senado. Resta-me, se isso acontecer, que os mais lúcidos e empenhados agentes
da nossa comunidade académica percebam que, face a este cenário, a única alternativa passa
pela constituição de movimentos transversais à organização em círculos. Movimentos que
desenvolvem e promovam um modelo e uma ideia para a futura Universidade de Aveiro, e que
instanciem depois, em cada círculo, uma lista que os represente. Da minha parte, não poderia
ficar em paz com a minha consciência se tivesse optado por manter em reserva estas
considerações. E creiam-me devotadamente apostado em contribuir, naquilo em que me for
possível, para uma Universidade de Aveiro de qualidade e de referência no panorama nacional
e internacional.

Aveiro, 19 de Outubro de 2007
Bernardo Cunha, docente e investigador da Universidade de Aveiro

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