quarta-feira, 10 de outubro de 2007

Cadernos de apontamentos?!



Os meus cadernos de apontamentos manuscritos são todos 21x15 cm. A maioria deles quadriculados, mas também lisos, mas também com linhas, escrita a lápis, de um só lado até terminar e volta a capa ao contrário, escritos do outro lado e bota e vira.

As estantes do meu (principal) santuário de trabalho – já que não tenho dinheiro para arquitectos – são todas idealizadas e erguidas por mim: dois tijolos de 18 (30x10) sobrepostos à moda de parede e tábuas de pinho com cerca de 30 cm de largura e 240 cm de comprimento (3 cm de espessura) aquilo aguenta com uma carga por cm2 que não há engenharia civil que lá chegue. Ali se alinham pastas A4 com docs classificados na parte superior e livros responsáveis por leituras mais actuais à altura dos olhos. Nas casotas da estrutura dos tijolos ficam os clips, esferográficas, lápis, rolos estreitos de papel com pequenas anotações e outras preciosidades. Ah! já me esquecia: ao lado esquerdo, na vertical está a minha boneca (a única), de seu nome Tininha, com dois palmos de altura e dois totós louríssimos como qualquer boneca que se preze.

Comecei hoje mais um desses cadernos. Anotei a instalação da versão 4.11.1 COE do CMap Tools Ontology Environment, mais a leitura de uma lista de trabalhos que estão algures no Deep Web Research 2007 (Marcus Zillman) e mais uma coisa que me deu a volta durante o dia de ontem: “Posted on 17-07-2005 ‘Concept Maps and E-Portfolios Filed Under (Research, dotFOLIO) by Nick’ brief search for concept maps and e-portfolios. “; este Nick empurrou-me para uns noruegueses que estão a trabalhar – agora - em coisas onde eu andei até aos artelhos nos longínquos anos 80.

E quando dei conta estava vidrado nos meus cadernos de apontamentos, muito, muito antigos.

E tudo o vento não levou. Canso-me de dizer aos meus alunos que, por exemplo, um bom plano de inovação pode demorar 9 anos a cumprir. Quanto mais longo é o prazo ou a data de entrega, mais exigente é o compromisso. Nós Povo, nós país, nós gente, falhamos metas atrás de metas porque o nosso horizonte é demasiadamente curto. Eu quando digo que é pr’a já, sei que não vou entregar. O tempo curto não dá para pensar sequer naquilo que me estão a pedir. D. João II – O Homem – mandou Afonso Paiva e Pêro da Covilhã à procura das Terras do Preste das Índias e tinha a certeza que a resposta não chegaria no dia seguinte, mesmo assim a resposta chegou às mãos de D.João II. Ele sabia que o pedido não era para pôr um trevo na tromba do elefante.

Sou um visitante assíduo de alguns nichos de Stanford. Não por ser petulante ou pedante ou pateta alegre, embora tenha todos esses direitos garantidos constitucionalmente, mas sim porque sigo invejosamente o que por ali se faz, ano após ano, ciclo após ciclo, moda após moda. Faço isso como um miúdo de sete ou oito anos faz, quando pressente que uma mulher (bonita) se vai despir. Fico ali, boca aberta, a sonhar com o que os homens de Stanford fazem. Digo os homens, porque a minha escrita é masculina e assumo isso, pronto. E porque fazem eles essas coisas tão bonitas e nós não? Porque escreve o Damásio livros que nós gostamos de ler e nós não escrevemos coisas assim, de folêgo?

Hoje até é dia de festa na Serra da Queimada, vai haver espumante da Bairrada a deslizar nos vidros da Marinha Grande e muita música pimba a dar cabo dos ouvidos dos gatos, dos cães, das cabras, dos mochos e das corujas e dos espíritos que vagueiam na serrania, bem podia eu estar mais contemporizador, menos agreste, reticente nas divagações… mas que querem, isto de andar a folhear cadernos antigos não é de borla.

Como diria o VM, hoje é dia de fado alexandrino. Continuamos ou começamos de novo?! É que o blogue é cada vez menos um blogue e passo a passo torna-se numa página muito pessoal.

– um dilema giro – para o qual, intuitivamente arranjo a minha resposta, deixando para mais tarde a fundamentação adequada, provavelmente só a possível.

Partamos para uma boa dose de divagação (alô, alô RS como vai esse azul de mar?!), sentados numa cadeira confortável, virados a sul, horizonte ilimitado e cheiro intenso a Outubro soalheiro.

Hoje, decidi que não publicaria mais nenhum trabalho em formato convencional. Há uma coisa que escrevi com a minha amiga Pilar (modelo de negócio do eHealth) e que vai sair um dia destes num livro sobre informática médica e ponto final. Não quero saber o que pensa a FCT sobre estas coisas, nem o Zé, nem o Quim, nem a Maria, nem o raio que os parta a todos.

Caderno novo, vida nova!

Qualquer um de nós tem um método de trabalho e arranca para a luta de acordo com a sua experiência e a sua prática. Se foi criado pela gente dos computadores tem um determinado modo de organizar o seu plano de trabalho e deixará atrás de si um rasto identificável. Se foi criado pela escola A e o mestre era Umberto Eco, escreve um título, a introdução e o índice final. Se tem uma história de vida, como é o meu caso, está feito ao bife. Quase toda a minha vida foi feita primeiro e explicada depois.

Quando me envolvi no primeiro esboço de trabalho de parto de um doutoramento, tive tanta sorte (no sentido mais convencional do azar) que sem perceber muito bem o que estava acontecer tinha dois orientadores à compita – mal sabia eu que a minha proposta andava aos pulos na mesa do conselho científico – um, porque achava que o «gajo» era inteligente e seria capaz de resolver um problema sobre a teoria do caos que o trazia preocupado (a ele); outro, porque ainda não tinha tido nenhum doutoramento filiado e achava muita graça às coisas que o «gajo» lhe contava e tinha entendido que isso era o tal compromisso de filiação e todas as vezes que me via perguntava-me se já tinha lido o Popper. Juro que não conto mais nada sobre este assunto, muito menos sobre como se resolveu o imbróglio.

Mais tarde, assim a modo de estrangeirado, resolvi frequentar as aulas (sagradamente) de um mestrado de coisas que eu entendia serem giras pr’a gente saber e ainda mais para dizer ao mundo que sabia. Uma das disciplinas chamava-se Metodologia da Investigação. Desabafo aqui, que ninguém nos ouve: tive imensa pena do senhor que assumiu publicamente a propriedade de ensinar um auditório aí de uns 60 ou 70 macacos, sobre uma coisa sobre a qual ele não fazia a mínima. A única coisa (patetice) que retenho do nosso homem é que só deveríamos citar, papers, livros, conferências, até aos últimos 5 anos. Tudo o que estava para trás era para esquecer. Fabuloso este homem! Um dia destes chega a reitor, até porque dono de caminhos e vielas já ele é.

Quereis saber que me apaixonei pelo tópico? E que me mantenho fiel?! Óbvio, com muitas facadas no dito matrimónio.

Confesso que nesse tempo me preocupava pouco com a epistemologia de Lakatos ou com as críticas de Kuhn ou a visão que Piaget tinha sobre estas coisas. O que quero partilhar convosco é este gozo de ser homem de sete partidas o que dá jeito para enunciar um catrapázio de nomes, embora depois apareça aquela dificuldade notória de não ser filho da metodologia da economia (Blaug) nem da sociologia (Durkheim) nem escravo do método científico. Triste sorte esta, dos que olham para o problema e vão ao catálogo dos métodos à procura do que lhe parece ser mais adaptado à circunstância.

Creiam que cheguei a ter a ousadia de discutir isto com gente que sabia destas coisas. Não preciso de muito esforço para me lembrar de Igor Aleksander, que procurei na Universidade de Brunel e com quem mais tarde me encontrei no Imperial College London onde se doutoraram muitos portugueses nestas tretas da Lógica e por aí, e que me dizia: «pode parecer excessivamente pedante questionar o significado de simples palavras, quando está claro que o ‘target’ para discussão é bem específico, mas nunca te esqueças que o nosso envolvimento é sempre em processos multi-disciplinares...» Tive de ir buscar isto aos meus cadernos, porque os bambúrrios da sorte assim o quiseram. Foi ele, Aleksander, autor de um livrinho que perdi – Reinventing Man – que me pôs um dia, em cima da mesa de trabalho, um conjunto de notas manuscritas que tinha uma capa em papel costaneira e que dizia por fora: “LAKATOS PROGRAMME”.

Não sei se vos passa pela cabeça que o meu amigo e mentor só (?!) queria que eu implementasse umas coisas a que chamávamos “Applied Epistemics”. Estamos situados nos anos 80, logo à saída da idade da pedra polida e o termo havia sido adoptado para tornar visível que se tratava de técnicas e métodos ‘for communicating understanding via stored knowledge’ – atenção estamos a falar de texto, não de representação gráfica. Se nos for proporcionada motivação, voltaremos a esta curva do caminho, é que esta história está no lado oposto do sítio onde agora estou. É por isso que a ciência, mesmo aquela ciência de trazer por blogues, é uma coisa muito gira. E isto dos “flashbacks” também é.

Grande volta esta… é que foi o apontador do Nick, ontem, que me remeteu para os noruegueses da Cerpus e para velhos problemas sempre novos.

Voltemos à metodologia. O IEEE define metodologia como “Enunciado detalhado e integrado de uma série de técnicas ou os métodos que criam uma teoria geral (sistémica) de como uma classe do trabalho de pensamento-intensivo deve ser obrigatoriamente executado”. Fui buscar o IEEE porque é o chapéu-de-chuva dos tipos que ganham a vida como eu. A chatice é que o livro à mão direita chama-se Wikinomics (Don Tapscott & A. Williams), trata de histórias que ouvi contar muitas vezes, por aqui, ali e acolá. A maioria das histórias são verdadeiras ou andam muito perto da verdade, da que se passou e da que se gostaria que assim se tivesse passado. São fábulas da Web, mas as fábulas do La Fontaine já vinham das Mil e Uma Noites e nem por isso eram menos verdade.

Wikinomics fala de muitas coisas que são fruto do não-método. Admirem-se então que eu continue a encher cadernos de apontamentos (&balões também…)

2 comentários:

Rosa Silvestre disse...

Alô, alô, alexandre, o azul de mar vai óptimo, por enquanto isso não nos podem tirar......e é bom divagar no azul do mar com o pensamento "por mares nunca dantes navegados", como dizia o Camões.
Esses cadernos de apontamentos têm que se lhe diga....concordo consigo, que o blog está cada vez mais pessoal, mas é difícil isso não acontecer, somos humanos....gostei muito do post.
Bom fim-de-semana.

Alexandre Sousa disse...

Fiquei com essa imagem do azul de mar porque gosto do mar, mesmo muito, no Outono e é quando vou ter com ele muitas muitas vezes.
Ainda quarenta e oito horas atrás lá andava – Francelos – de seu nome. Entre umas rochas onde deixo penduradas as xanatas e a capela do Senhor da Pedra, lá vou eu na brincadeira do molha-não-molha e assim se passa uma das melhores tardes da vida.
À beira de uma dessas juro que é muito difícil aceitar trocas.

Beijos pela cumplicidade de ler os meus cadernos.