domingo, 23 de setembro de 2007

Ao domingo, porque não falar de amor?!





Trabalhemos na introdução porque de metáforas e pensamentos mais que duvidosos anda o espaço Co-Labor cheio.

Ao domingo não é bonito falar de educação superior à ‘vol d'oiseaux’. O fogão está bem recheado de lenha (a arder), a horta já está regada, ou seja já cuidamos dos vivos. Está o preceito do Marquês em andamento. Em jeito de intelectual de fim-de-semana, direi que ando a reler “Os Problemas da Filosofia” do Mestre Bertrand Russell, com um prefácio didáctico de um senhor muito respeitado que deu pelo nome de António Sérgio.

Neste livrinho, o Amor não faz parte da lista de problemas que o Russell seleccionou. Não se pense que o amor não o preocupava:

The Prologue to Bertrand Russell's Autobiography

What I Have Lived For

Three passions, simple but overwhelmingly strong, have governed my life: the longing for love, the search for knowledge, and unbearable pity for the suffering of mankind. These passions, like great winds, have blown me hither and thither, in a wayward course, over a great ocean of anguish, reaching to the very verge of despair.

I have sought love, first, because it brings ecstasy - ecstasy so great that I would often have sacrificed all the rest of life for a few hours of this joy. I have sought it, next, because it relieves loneliness--that terrible loneliness in which one shivering consciousness looks over the rim of the world into the cold unfathomable lifeless abyss. I have sought it finally, because in the union of love I have seen, in a mystic miniature, the prefiguring vision of the heaven that saints and poets have imagined. This is what I sought, and though it might seem too good for human life, this is what--at last--I have found.

With equal passion I have sought knowledge. I have wished to understand the hearts of men. I have wished to know why the stars shine. And I have tried to apprehend the Pythagorean power by which number holds sway above the flux. A little of this, but not much, I have achieved.

Love and knowledge, so far as they were possible, led upward toward the heavens. But always pity brought me back to earth. Echoes of cries of pain reverberate in my heart. Children in famine, victims tortured by oppressors, helpless old people a burden to their sons, and the whole world of loneliness, poverty, and pain make a mockery of what human life should be. I long to alleviate this evil, but I cannot, and I too suffer.

This has been my life. I have found it worth living, and would gladly live it again if the chance were offered me.

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Óbvio que preocupava Russell, óbvio que nos preocupa a todos, mesmo quando passamos parte da vida a dar ‘xutos’ nas pedras.

Fui buscar Nietzsche por duas razões: uma sentimental, porque Camus ‘bebeu’ muito Nietzsche e interessa-me criticar (filosoficamente) as interrogações de Camus em torno do amor; outra, porque vejo Nietzsche tremendamente maltratado, como se fosse o eterno filósofo vestido de negro, por dentro e por fora. É esta sentimentalidade outonal, que faz com que publique uma foto de Camus a sorrir (coisa rara) e agora o retracto de Nietzsche a cores.

O texto de Nietzsche foi lido em francês (‘Gai savoir’ §14), uma vez que o meu alemão pouco vai além do «gutenmorgen Frau Clara», apesar do (formidável) tempo passado nos labs da Daimler-Benz em Karlsruhe. Diz então Nietzsche, que só costuma aparecer pintado a negro, a falar do suicídio e da inexistência de Deus:

“Cobiça e amor: que diferença no que nós experimentamos ao ouvir cada uma destas duas palavras! - e no entanto, poderia ser uma pergunta bem do mesmo impulso, sob duas denominações diferentes, da primeira vez caluniada do ponto da vista daqueles que já possuem e já só temem pelo seu «ter»; a outra tem a ver com o ponto de vista daquele que está insatisfeito e sequioso, e assim glorificado sob a forma do “bem”.

E o nosso amor ao próximo – não será uma aspiração a uma nova possessão? E mesmo o nosso amor ao conhecimento, à verdade e de uma maneira geral toda o ideal de inovação? Fatigamo-nos gradualmente do ‘mais antigo’, daquilo que nós fixamos já como possessão e recomeçamos com a ternura; mesmo a mais bela das paisagens, uma vez que foi vivida três meses não é certo que, mantenha o nosso amor, e não importa a costa mais remota que consiga excitar a nosso avidez: a possessão, geralmente, estreita o objecto possuído.

O prazer que nós tomamos pode manter-se desde que não cesse de se metamorfosear em algo, outra vez, - é isso o que nós chamamos possuir. Cansarmo-nos de uma coisa que um de nós tenha, isso quer dizer: fatigar-se a si mesmo. (Qualquer um pode também sofrer de superabundância, - ao desejo de rejeitar, de distribuir pode também atribuir-se a designação honorifica do «amor».)

Quando nós vemos alguém sofrer, nós oferecemo-nos voluntária e prontamente para beneficiar da ocasião que é oferecida e tomar então posse dele; é o que faz o simpático benfeitor, que também chama “amor” ao desejo da nova possessão que acordou nele, e sente nisso prazer como com se fosse um convite a uma nova conquista.

Mas é o amor dos sexos que nos traz mais claramente a sua natureza de aspiração à possessão: o amoroso quer o exclusivo total da posse sobre a pessoa que deseja com ardor, ele quer exercer um poder incondicional sobre a sua alma bem como sobre o seu corpo, quer ser o único objecto do seu amor, habitando e governando a alma do outro como o que existe de mais elevado e mais desejável.

Se prestarmos atenção ao facto, verificamos que isto não quer dizer senão subtrair a todos um bem, uma felicidade e um prazer de grande valor: considerando que o amoroso tem em vista empobrecer e espoliar todos os outros concorrentes e gostaria de se tornar o dragão do seu próprio tesouro, o mais impiedoso e o mais egoísta de todos os “conquistadores” e de todos os predadores: considerando finalmente que o resto do mundo aparece como indiferente para com o amor, pálido, desprovido de valor, e que está pronto para fazer todos os sacrifícios, para inverter toda uma ordem estabelecida, para fazer a passagem de qualquer outro interesse para segundo plano: qualquer um não deixará de ficar atónito perante esta avidez e esta injustiça selvagem do amor dos sexos, sempre glorificados e divinisados tal como foram sempre em todas as épocas, ao ponto de terem retirado deste amor o conceito do amor entendido como o oposto do egoísmo visto que ele é (talvez) precisamente a expressão mais ingénua do egoísmo.

São manifestamente os sedentos do desejo que fixaram este uso linguístico aqui, - foram sempre em número demasiado grande. Aqueles a quem a posse e a satisfação tinham sido concedidas em abundância neste domínio, deixaram escapar de tempos a tempos uma palavra sobre “o enraivecido demónio”, tal como o mais agradável e amado de todos os Atenienses, Sófocles: mas Eros fez sempre parte do divertimento destes maldizentes, - eram precisamente os seres que ele mais estimava. - Há na terra uma espécie de prolongamento do amor em que esta ávida aspiração que duas pessoas experimentam, dá lugar a um desejo e uma nova cobiça, a uma sede superior e a um ideal comum que os excede: mas quem conhece ou sabe deste amor? Quem o viveu? O seu verdadeiro nome é amizade”

Gai savoir, § 14

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