quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

O que György Pólya sabia e nós ainda não aprendemos




« Não podemos julgar o desempenho do professor se não soubermos qual é o seu objectivo. Não podemos discutir seriamente o ensino se não concordarmos, até certo ponto, àcerca do objectivo do ensino.»

« "Ensinar a pensar" significa que o professor não deve simplesmente transmitir informação mas também tentar desenvolver a capacidade dos estudantes para usarem a informação transmitida: deve enfatizar o saber-fazer, atitudes úteis, hábitos de pensamento desejáveis. Este objectivo precisa certamente de maior explicação (todo o meu trabalho pode ser encarado como uma maior explicação) mas neste caso vai ser suficiente enfatizar apenas dois aspectos.
Primeiro, o pensamento com que estamos preocupados não é o divagar quotidiano, mas um "pensamento com um objectivo" ou um "pensamento voluntário" ou "pensamento produtivo". Tais formas de "pensamento" podem ser identificadas, pelo menos numa primeira abordagem, com a "resolução de exercícios". Em qualquer caso um dos principais objectivos do currículo da matemática no secundário é, na minha opinião, o desenvolvimento da capacidade dos alunos para resolver problemas.
Segundo, o pensamento matemático não é puramente "formal", não está relacionado apenas com axiomas, definições e demonstrações rígidas, mas também com muitas outras coisas: generalização a partir de casos observados, argumentação por indução, argumentação por analogia, reconhecimento de conceitos matemáticos, ou sua extracção a partir de situações concretas. O professor de matemática tem uma excelente oportunidade para dar a conhecer aos seus alunos estes importantíssimos processos de pensamento "informais". O que quero dizer é que deve utilizar esta oportunidade melhor, muito melhor, do que se faz hoje em dia. Dito de forma incompleta mas concisa: deixem os professores ensinar demonstrando, mas deixem-nos também ensinar adivinhando. »

« Ensinar não é uma ciência mas uma arte. Esta ideia já foi expressa por tantas pessoas, tantas vezes, que me sinto até envergonhado por a repetir. Contudo, se deixarmos uma certa generalidade e observarmos, sob uma perspectiva instrutiva, alguns pormenores apropriados, apercebemo-nos de alguns truques.
Ensinar tem obviamente muita coisa em comum com a arte teatral. Por exemplo, imaginemos que um professor tem de apresentar à sua turma uma demonstração que conhece ao pormenor por já a ter apresentado diversas vezes em anos anteriores no mesmo curso. Na realidade, pode até nem estar entusiasmado com a demonstração. Mas, por favor, não mostre isso à sua turma! Se parecer aborrecido, a turma inteira vai ficar aborrecida. Finja estar entusiasmado com a demonstração quando começar. Finja ter ideias brilhantes no seu desenvolvimento. Finja estar surpreendido e exultante quando a demonstração terminar. O professor deve representar um pouco para bem dos seus alunos que, em alguns casos, poderão aprender mais através das suas atitudes do que através do conteúdo apresentado. Devo confessar que sinto prazer num pouco de representação, especialmente agora que estou velho e raramente encontro algo novo em matemática. Sinto alguma satisfação em reconstituir a forma como descobri no passado este ou aquele aspecto.
Embora de forma menos óbvia, ensinar tem também algo em comum com a música. Sabem com certeza que os professores não devem dizer uma coisa apenas uma ou duas vezes, mas três, quatro ou mais vezes. Porém, repetir a mesma frase várias vezes sem pausas ou alterações pode ser terrivelmente aborrecido e anular a própria intenção. Ora, o professor pode aprender com os compositores a fazê-lo melhor. Uma das principais formas de arte musical é "ar com variações". Transpondo esta forma da música para o ensino, faz com que se diga uma frase da forma mais simples e que depois se repita com uma pequena alteração; depois torna-se a repeti-la com um pouco mais de cor, e assim sucessivamente, pode finalizar-se retornando à formulação original simples. Outra forma de arte musical é o "rondo". Transpondo o "rondo" da música para o ensino, repetir-se-ia a mesma frase essencial várias vezes com poucas ou nenhumas alterações, mas inserindo entre duas repetições algum material ilustrativo que provoque um contraste apropriado. Espero que quando ouvir da próxima vez um tema de Beethoven com variações ou um "rondo" de Mozart pense em melhorar o seu ensino.
O ensino pode também ter algumas semelhanças com a poesia e, de vez em quando, aproximar-se da profanação. Posso contar-vos uma pequena história sobre o grande Einstein? Ouvi uma vez Einstein falar para um grupo de físicos numa festa. "Porque é que os electrões têm todos a mesma carga?" disse ele. "Bem, porque é que as pequenas bolas dentro do esterco de cabra têm todas o mesmo tamanho?" Porque terá Einstein dito tais coisas? Só para fazer alguns snobes levantar a sobrancelha? Não que ele não fosse pessoa para o fazer. Penso que seria. Ainda assim, foi provavelmente mais profundo. Não me parece que o comentário de Einstein seja casual. De qualquer forma, aprendi com ele que, embora as abstracções sejam importantes, devemos usar todos os meios para as tornar mais tangíveis. Nada é demasiado bom ou demasiado mau, demasiado poético ou demasiado trivial para clarificar as nossas abstracções. Como refere Montaigne: A verdade é uma coisa tão grandiosa que não devemos desdenhar nenhum meio que nos conduza a ela. Portanto, não se deixe inibir se o seu espírito o levar a, nas suas aulas, ser um pouco poético ou um pouco profano.»

Texto emprestado por:
http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/seminario/polya/traducao.htm
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