domingo, 12 de agosto de 2007

Gestão da ciência, onde há (?!) ciência e o que há, conseguir-se-á medir?





Há uma frase velha, que aprendi numa pós-graduação em «gestão de ciência», sim que isto de ser mercenário também obriga a estudar e prestar provas; dizia eu que a tal frase, sem ser um chavão, anuncia com pompa e circunstância mais que devida:

“You Can't Manage What you Can't Measure”



Convencionalmente, medimos as actividades científicas e tecnológicas realizadas, após uma primeira filtragem taxonómica:

Investigação e Desenvolvimento;

Inovação;

Patentes;

Balança de pagamentos da tecnologia.

Embora um blogue não seja o espelho de uma sala de aula, deixemos no sumário que a literatura de referência no caso das actividades I&D é o Manual Frascati (OCDE, 2002) e para a Inovação seguimos o Manual de Oslo (OCDE, 2005).

Para fins e trabalhos de estatística, a Unesco define deste modo as actividades científicas e tecnológicas:

“Scientific and Technological Activities (STA) can be defined as all systematic activities which are closely concerned with the generation, advancement, dissemination, and application of scientific and technical knowledge in all fields of science and technology, that is the natural sciences, engineering and technology, the medical and the agricultural sciences (NS), as well as the social sciences and humanities (SSH).”

Façamos um compasso de espera para observar que existe ainda uma outra definição cujo âmbito são os serviços científicos e tecnológicos:

“Scientific and technological services (STS) can be defined as any activities concerned with scientific research and experimental development and contributing to the generation, dissemination and application of scientific and technical knowledge.”

STS são, por exemplo, os serviços que nos são prestados por bibliotecas, arquivos, centros de informação e de documentação, departamentos de referência, centros de congressos científicos, bancos de dados e departamentos de processamento da informação. Longe de ser exaustivos, acrescentemos os desempenhos dos museus da ciência, jardins botânicos, edição de livros e publicações diversas, trabalhos de prospecção, observações meteorológicas, testes da atmosfera e da água; monitorização dos níveis de radioactividade, etc.etc.etc.

A actividade de investigação e desenvolvimento compreende o trabalho criativo, empreendido de modo sistemático, com a finalidade de aumentar o ‘stock’ do conhecimento, incluindo conhecimento do homem, da sua cultura e da sociedade, e o uso deste conhecimento para planear novas aplicações. É assim que está enunciado no Frascati Manual.

Este manual de referência, da OCDE e do nosso MCTES, define três camadas de actividade para o I&D, cada uma com horizontes diferidos no tempo no que se refere à sua exploração potencial:

- investigação básica,

- investigação aplicada

- desenvolvimento experimental.

Além disso a investigação básica está subdividida em investigação básica pura e investigação básica orientada.

"Basic research is experimental or theoretical work undertaken primarily to acquire new knowledge of the underlying foundations of phenomena and observable facts, without any particular application or use in view." (OECD, 2002, Par. 240)

"Oriented basic research may be distinguished from pure basic research as follows: Pure basic research is carried out for the advancement of knowledge, without seeking long-term economic or social benefits or making any effort to apply the results to practical problems or to transfer the results to sectors responsible for their application. Oriented basic research is carried out with the expectation that it will produce a broad base of knowledge likely to form the basis of the solution to recognised or expected, current or future problems or possibilities." (OECD, 2002, Par. 243).

Investigação aplicada é também investigação original empreendida com a finalidade de conseguir novo conhecimento. No entanto, esta dirige-se à partida no sentido de alcançar um objectivo determinado ou um alvo prático específico.

Desenvolvimento experimental é o trabalho sistemático, ‘extracção de’ em conhecimento existente, ganhos provenientes da investigação e/ou da experiência prática, o qual é dirigido para produzir novos materiais, produtos ou dispositivos, instalação de novos processos, sistemas e serviços, ou para melhorar substancialmente aqueles já produzidos ou instalados.

Não é fácil propor, delinear ou estabelecer limites entre as actividades de I&D e o serviço de educação e formação. As instituições da educação superior por razões de optimização de recursos (digo eu…) mantêm as pessoas, os equipamentos, os edifícios, os serviços de apoio, enfim toda a estrutura, na serventia quer da área da educação, quer da área do I&D.

Usando aquela metáfora do benefício da dúvida, aceitamos com algumas (muitas) reticências aquela bondade de que resultam benefícios da actividade I&D que são injectados na educação, idem para o argumento segundo o qual, alguma informação, acrescida da experiência ganha na sala de aula possam servir como input nalguns problemas em estudo.

Os próprios projectos classificados na estatística oficial como projectos de I&D deveriam ser objecto de estudo e filtragem mais atenta; já vimos trabalho desenvolvido na universidade (research por encomenda) cuja finalidade era sustentar propósitos de licenciamentos e patentes que não estavam relacionados com o I&D em curso internamente. Para além destas habilidades contabilísticas, também os testes de rotina feitos à água da torneira a pedido da autarquia local e a recolha de dados a pedido de uma empresa de marketing devem ser excluídos da produção científica.

No campo da medicina, a investigação especial de uma mortalidade específica para estabelecer os efeitos colaterais de determinados tratamentos do cancro é I&D; a autópsia feita por rotina e que procura as causas da morte é uma prática dos cuidados médicos não o é. Similarmente, os testes rotineiros tais como os do sangue e os testes bacteriológicos realizados a pedido dos médicos não são I&D, mas um programa especial de testes de sangue em relação à introdução de uma nova droga é I&D.

A manutenção de registos diários das temperaturas ou da pressão atmosférica não é I&D porque isso é tarefa de um serviço de previsão meteorológica. A investigação de novos métodos de medir a temperatura é I&D, bem como são o estudo e o desenvolvimento de novas técnicas e sistemas para interpretar os dados.

As actividades de I&D na engenharia mecânica têm na maioria das vezes, uma conexão estreita com o projecto e o desenho propriamente dito. Em empresas pequenas (PMEs) englobadas na indústria transformadora, não há nenhum departamento especial de I&D, e os problemas afectos a esta rubrica são tratados na maior parte dos casos sob a designação genérica de “projecto e desenho”. Se os cálculos, os projectos, os desenhos, as instruções de funcionamento forem feitos para o arranque e ajustamento de fábricas piloto e dos protótipos, devem ser incluídos no totalizador do I&D. Se forem levados a cabo para a preparação, a execução e a manutenção da produção standard (máquinas-ferramentas, gabaritos, etc.) ou para promover a venda dos produtos devem ser excluídos da contagem de I&D.

Muito trabalho de I&D que é hoje realizado em escolas politécnicas portuguesas (Porto e Lisboa, p.ex.) é prova de actividade de I&D no campo do software:

«Desenvolvimento da tecnologia de informação ao nível das ferramentas de sistemas operativos, de linguagens de programação, de gestão de dados, software de comunicações; desenvolvimento de tecnologia da Internet; investigação em métodos do projecto, software de manutenção; desenvolvimento de software que produz avanços significativos nas abordagens genéricas para capturar, transmitir, armazenar, manejar ou visualizar informação; desenvolvimento experimental com vista a preencher ‘gaps’ do conhecimento actual sobre a tecnologia e que é necessário para desenvolver um sistema ou um programa de software; I&D realizado em ferramentas de software ou tecnologias em áreas especializadas da computação (processamento de imagem, apresentação geográfica dos dados, reconhecimento de caracteres, inteligência artificial e tantas outras áreas.»

Como podemos medir… alguns indicadores: Como dizia alguém importante “A nossa produção de riqueza não se reduz ao PIB, a chatice é que o número do PIB é oficial!”

Podemos medir indicadores dos inputs, como são os gastos em I&D e os recursos humanos que lhe estão afectos

Podemos medir indicadores dos outputs, como são as publicações e as patentes

Podemos medir indicadores do impacte, como são a inovação e o impacte social (?!)

Podemos medir indicadores da transferência tecnológica, através da balança de pagamentos de tecnologia.

Esta prosa longuíssima, prova provada do que não deve ser o texto de um blogue, foi suscitada por bitaites cruzados entre este modesto tecnólogo e a nossa amiga destas «ondas» Regina Nabais. O panfletário autor é adepto convicto de um sistema de educação superior unário. Mas, uma vez que o que temos é binário, então todos somos obrigados a respeitar os «zeros» e os «uns». A tentativa de espartilhar a investigação que deve ou não deve ser feita nas escolas politécnicas é fruto de uma pobre mentalidade corporativa que divide os professores da educação superior em professores de primeira e de segunda, desmentindo à terça-feira aquilo que apregoamos à segunda-feira. Se o professor do politécnico fez o seu doutoramento na mesma universidade, com o mesmo orientador e às vezes prestou provas sob o mesmo júri, porque carga de água, o seu colega que calhou em sorte num departamento universitário ou numa faculdade, a um é destinado ser ajudante e a outro ser alternadeiro? Que seriedade é esta, que leva professores do Dept.º de Matemática de uma universidade a ter que dar lições numa escola politécnica, porque não possuem serviço docente atribuído e no entanto os outros amigos, colegas e camaradas da escola politécnica, com a mesma graduação, pós graduação, serviço atribuído no mesmo campo e disciplinas, são classificados de segunda e auferem salário mais baixo? Fazem parte da mesma organização, pelo menos de treta.

Gostava de acreditar que a existência de escolas politécnicas no seio de universidades pudesse trazer moralização ao sistema, até porque a falta de trabalho real nalguns departamentos universitários, está a forçar a polinização cruzada, pelo menos num só sentido. Mas, este povo foi educado numa culturazinha de café para todos, mesmo para aqueles que até só gostam de chá, o que me leva a duvidar que este RJIES vá adoçar a boca a quem quer que seja, mesmo aos que silenciosamente esperavam por ele.

NOTA TÉCNICA:

Esqueceu-me dizer que nunca escrevi uma única linha original em toda a minha vida!

Sem comentários: